|
Cinco Pontões Capixabas (ou Cinco Pontões Mineiros?)
Localizados no distrito de Joatuba, Município de Laranja da Terra, Espírito Santo.
Foto de Carlos A. Jarske com pequenas modificações ungulares. |
Estou me transformando em inselberg.
O pé, quente como vulcão, borbulha seu magma em pequenas contrações e espasmos.
Afloram rochas magmáticas de granito e gnaisse.
O relevo de pé-dra é testemunho de intempéries de um calçamento de paralelepípedo em domínio carioca. Foi um acidente geográfico.
O pé inchado e de formato arredondado destaca-se na paisagem.
Sensível geomorfologia...
As pioneiras cianobactérias não tardam a colonizar a planta e os dedos da pé.dra. Fato evidenciado pela cor escura, que chega quase a ser preta, na superfície dermática branca. Em noites de luar, a fina camada de pele desse tecido bacteriano adquire aspecto prateado inebriante quando associada aos filetes de água! Vale a pena viajar com as cortinas abertas durante viagens de ônibus Minas - Bahia.
A
Selaginella sellowii começa a formar extensos tapetes próximos ao tornozelo, onde ocorreu a lesão. Essas samambaias parecem pequenos e delicados vasos sanguíneos da hidrografia, que se romperam com o traumatismo, extravasando sua seiva.
A dormência e ardor evidenciam a presença dos
Cnidoscolus e das
Aosa, que inclusive contribuem ainda mais para a petrificação e dureza da superfície, pelas reações causadas por suas substâncias urticantes.
É grande a inclinação do complexo Parque Estadual e Reserva Nacional Ambiental (PERNA). Ansiosamente, aguardo a chegada das bromeliáceas que ocupam esses paredões rochosos tão íngremes. Aaaa essas
Vriesea 90 graus... Talvez já estejam na vertente S(ola) da pédra, sendo portanto inalcançáveis.
Nos cinco pontões, próximos ao topo, camadas mais lisas, rígidas e de formato ungular se fazem presentes. Curiosamente, os pontões estão orientados para o mesmo sentido. As plantas que ocupam esses picos apresentam adaptações singulares. São revestidas por proteínas fibrosas de quitina com finas camadas de cutículas nas bases da face adaxial. Característica que permite proteção contra fungos e bactérias num ambiente tão inóspito e susceptível a micoses.
O odor desagradável de chulé denuncia a presença da Plantaginaceae
Achetaria crenata. Ela bem gosta de habitar as depressões rasas mais úmidas presentes graças ao suor de pédra aquecida com os processos vulcânicos e inflamatórios.
A altitude máxima é de 173 m (x10^-1*) e não há presença de campos graminosos nessa topografia. Meu afloramento, portanto, não pode ser caracterizado como campo de altitude. É um pão de açúcar típico! Lhe falta, porém, a fama dos pães de açúcar do Rio. Poucas foram as visitas que recebeu desde seu surgimento. Mas não é por falta de prestígio, talvez seja por desconhecimento. Compreendo que estamos em época de baixa temporada. Falta tempo aos amigos...
Semana passada, a pédra recebeu o grupo Tem Café?. Vieram conferir, com seus instrumentos (sax, baixolão, violão, ovinho e guitarra), a acústica agradável da ressonância sonora de todas as minhas flores. Afloraram tanta alegria, que, (acreditam?) quase virei a sorridente Pedra da Boca de Teófilo Otoni!
A planta (da pédra) apresenta cores azul e amarelo-esverdeadas em vários aglomerados. São cores das folhas dos
Encholirium horridum e
E.gracile. Em alguns pontos mais isolados reconheço flores roxas de indivíduos de
Mandevilla grazielae,
Sckwenckia novaveneciana, Tibouchina heteromalla, Pleroma marinana. Ilhas de vegetação de verde folhagem cobrem a PERNA. Folhagens de ervas rupícolas compostas por
Barbacenia tomentosa, Alcantarea e, óbvio, pela canela de ema
Vellozia plicata.
Os tricomas dos folículos pilosos evidenciam amontoados de cactos. Pelo nível de rigidez e maleabilidade dos espinhos, arrisco dizer que são os
Coleocephalocereus buxbaumianus. Esses tricomas auxiliam na manutenção da temperatura e protegem o tecido contra radiação solar intensa.
Algumas protuberâncias arredondadas, similares a articulações de osso, são na verdade tubérculos de geófitas que ainda não emergiram à superfície. Provavelmente, são indivíduos graciosos de
Sinningia esperando as chuvas sob esses murundus.
Em alguns pontos mais frágeis é possível observar fendas e linhas de fissura. A nimesulida acelera o intemperismo químico, provocando corrosões que descamam a rocha. Tais processos erosivos resultam em lascas de granito que ocasionalmente despencam dos penhascos.
A diafanização dissecativa confirmaria a unicidade de cada pédra. Mesmo distante por apenas 5 Km (x10^-5**), a hidrografia de vasos, tendões e escrubes musculares não são idênticos. O teste de similaridade com a pédra da direita revelou que cada formação tem flora exclusiva. O fluxo gênico inexiste. Cada afloramento é uma comunidade e ecossistema distintos.
A metamorfose em rocha monumental é desconfortável, porém deslumbrante. Quando vivenciaria as minúcias de meus hematomas e sentiria de forma tão intensa esse processo corporal geomorfológico estrutural? Quando voltaria minha atenção exclusivamente para mim, para os meus sedimentos e sentimentos? Confesso que não é uma das 7 maravilhas do mundo como o Corcovado. Sinto muita dor. Mas reconheço que essa dor participa do meu desenvolvimento criativo momentâneo. Foi em madrugadas sem dormir que escrevi este texto. Desejo enraizar meus dedos no solo, correr, me juntar às outras formações. Não é fácil transpor montanhas. A evolução exige paciência. É processo lento, uma sucessão de estados. São processos da Vida...
Me questiono se esses processos ocorrem mesmo por acaso. Não acho que sejam estocásticos. Estão atrelados à ecologia funcional?
Felizmente nenhuma intervenção antrópica será realizada. Pinos, cortes de blocos de granito e explosões não são medidas necessárias. A proprietária do local onde se encontra o afloramento preza pela conservação e preservação da Natureza e se opõe a práticas extrativistas e agressivas das mineradoras.
A transformação, segundo doutores em ortognaisse, será concluída daqui a 61,645 milhões de anos (x 2x10^-9 ***). Terminada essa etapa e a fisioterapia, voltarei aos tão almejados e saudosos campos!
Luísa Azevedo.
* 173 m x 10^-1 = 1,73 m, minha altura.
** 5 Km x 10^-5 = 5 cm, distancia entre meus os pés.
***61,645 milhões de anos x 2 x 10^-9 = 45 dias, período que terei que ficar de pernas pro ar.
Obs. Toda espécie citada apresenta alguma característica análoga à minha situação ou sintoma. As plantas mencionadas realmente apresentam as cores dos meus hematomas. As folhas da Plantaginaceae
Achetaria crenata têm odor desagradável e forte de chulé. Lu e Naroca são as únicas que acham o cheiro bom! Rsr.
Cnidoscolus e
Aosa possuem substâncias urticantes que provocam queimaduras e inflamações. Deixam a pele avermelhada, enrijecida, inchada. O termo ortognaisse não é a junção de ortopedista e gnaisse, é a rocha proveniente do granito. Nimesulida é o nome do medicamento.