Expedição em uma cadeia de inselbergs graníticos no Sul da Bahia - Brasil |
Diante de tanta atrocidade ambiental/ecológica, desmatamento e destruição, ainda é possível encontrar no Brasil (sem ser na Amazônia) lugares inexplorados e esplendorosos.
Em abril deste ano, eu e os botânicos Lu, Luana e Stefan, fomos os primeiros, e únicos estudiosos de que se tem registro, pelo
menos nos últimos 50 anos, a subir uma cadeia de inselbergs graníticos, em uma fazenda no Sul da Bahia.
É inacreditável pensar que em pleno
século XXI, desperta-se tão espontaneamente o sentimento naturalista de explorador, da busca pelo desconhecido e por espécies novas, e o entusiasmo por diferentes cores, formas e cheiros
ainda não vistos e não sentidos...
Ao começar a subir as pedras, o
batimento cardíaco aumenta e a adrenalina jorra incessantemente. O esforço
físico é intenso na pedra inclinada. As pupilas dilatam, aguçando a visão, que
procura ver e enxergar cada tom de cor. Assim, o espectro de verde quadruplica
e a perspectiva empurra profundamente todas as camadas de vida à retina. Tudo é
visto com mais detalhes, para absorver a beleza da Natureza ainda intocada e
virgem aos olhos (de um pesquisador). O cérebro aumenta a quantidade de
sinapses, fazendo correlações e questionamentos, que a cada passo reafirmam
esse sentimento pitoresco tão inato de exploradores aventureiros.
Logo no início da expedição, o grupo se
dispersou. Inconscientemente, cada um foi para um canto, com o intuito de visitar maior
área, aproveitando ao máximo cada segundo da luz do dia. Hora ou outra, nos
encontrávamos diante de chamados (e até de gritos) exclamativos e entusiásticos
para o compartilhamento de descobertas.
Fiquei tão extasiada que comecei a andar
por impulsos acelerados. Parecia que estava atraída por ímãs de cores e formas
magnéticas. Tropeções e quedas eram comuns nesse estágio de desatenção, que
inclusive poderiam ser fatais em terrenos tão íngremes. Os dedos sofriam apertados contra
a biqueira da bota, que acompanhava a inclinação da rocha. Porém o
deslumbramento compensava todo o incômodo.
Obsessivamente, num gesto quase
automático, levamos flores, folhas, resinas e caules ao nariz como se
quiséssemos absorver os cheiros daqueles campos - embriagantes de pedra, Sol,
néctar, pólen, chuva, planta e bicho.
Saturados os receptores hormonais,
neurônios dendríticos de sensações térmicas e nervosas são desativados. O rosto
encontra-se vermelho quente, consequência da aba do chapéu virada para cima, para enxergar as arvoretas mais altas e o voo de aves e insetos endêmicos. A
despolarização da membrana dos axônios nem chega ao centro do sistema nervoso. Em micro milésimos de segundos, arranhões, batidas, queimaduras com plantas
urticantes (Cnidoscolus e Aosa), cortes, espinhos de cactos que
ultrapassam até a derme são esquecidos por qualquer novo ser vivo que
subitamente é observado.
Nos
reconhecíamos em indivíduos gigantes de Encholirium (parte do complexo E. horridum), que possuíam folhas em rosetas maiores
que um abraço e inflorescência de mais de 3m de altura com ramificações longas
e pendentes, como braços humanos. Adjetivos
carinhosos acompanhavam os gêneros Vellozia
cheirosa, V. mini, V. áspera, Tibouchina fina, Poaceae dominante, Paliavana pequena, Lamiaceae perfumada, Vriesea 90
graus.
O Sol mergulhava
entre as silhuetas das pedras. Ali, o dia acabava 754 metros mais cedo.
Começamos a descida. Coletávamos o que as mãos, já carregadas de sacos de
coletas, ainda permitiam. E, assim, em 4 dias de expedição, eternizamos 27,13
Kg de plantas, histórias e muitas emoções.
Todas mudanças corporais vivenciadas
ultrapassam meras explicações fisiológicas. A paixão pelo conhecimento, a
vaidade pela descoberta, a sensibilidade, o encantamento pelas minúcias da Natureza,
pelas texturas, cores, formas e cheiros, indubitavelmente, fundam minha formação
como naturalista, como Luísa.
Confesso que essas sensações descritas me
acompanham nos campos, por mais visitados e explorados que sejam os lugares.
Sempre são novas comunidades, novos arranjos de espécies, novas composições,
novos olhares e maturidades. O mesmo lugar nunca é igual. As cores, a interação
com a luz, com o tempo, com outras vidas são únicas. A Vida é uma renovação constante.
Recordo o comentário do proprietário
dessa fazenda que visitamos na Bahia: - “Vocês são os primeiros pesquisadores a
subirem essas pedras.” A partir daí, o sentimento naturalista e desbravador pioneiro
foi tão intenso e tão destacado que me deu vontade de registrar e partilhar com
vocês.
Luísa Azevedo
Que coisa mais linda, Lu!
ResponderExcluirBrigada, Pat! : )
ExcluirUm senhor campo! A sempre lugar para o mistério do desconhecido no mundo natural :)
ResponderExcluirQue legal acompanhar esta exploração num lugar tão lindo!
ResponderExcluirQue bom que conseguiu se sentir um pouquinho lá, Alain!
ExcluirNão vejo a hora de postarmos mais aventuras!!