terça-feira, 31 de maio de 2016

Jardins dos inselbergs - "Inselberg gardens"



Os inselbergs são casas para plantas extremamente ornamentais, que crescem em ilhas de vegetação, com solos rasos. É possível encontrar, por exemplo, vários membros da família das violetas (Sinningia), begônias (Begonia), orquídeas (ex.: Encyclia), apocináceas (Mandevilla e Allamanda), lírios (ex.: Hippeastrum) e canelas-de-ema (Vellozia e Barbacena):





Não há dúvidas de que nos deparamos com verdadeiros jardins naturais!! 



segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Rio antes e depois

A urbanização trouxe à cidade desmatamento, crescimento desordenado, pobreza, desigualdade, verticalização, aridez... As rochas continuaram quase intactas, intransponíveis. Os pães de açúcar são muito mais do que paisagens, mais do que simples cenário. O conjunto praia, vegetação e rocha provoca um sentimento tropical, místico. A Natureza é a protagonista da Cidade Maravilhosa. O Rio só continua lindo por causa dos pães de açúcar. 

Rocinha e Pedra da Gávea (Arquivo IMS e Ailton Silva/IMS)
                    Morro Dois Irmãos (Augusto Malta/Arquivo IMS e Ailton Silva/IMS)
Avenida Niemeyer (Armando Pittigliani/Arquivo IMS e Ailton Silva/IMS)
Estrada da Gávea (Augusto Malta/Arquivo IMS e Ailton Silva/IMS)
São Conrado (Marc Ferrez/Arquivo IMS e Ailton Silva/IMS)

Texto: Luísa Azevedo

Todas as imagens foram retiradas do site do Instituto Moreira Salles e estão disponíveis no link: http://ims.com.br/ims/explore/acervo/noticias/territorio-rocinha



Herbário RB

Lu, no herbário RB no Rio de Janeiro, comparando exsicatas de espécies de Vellozia coletadas sobre afloramentos graníticos antes de irmos para campo. À direita, uma coleta de Vellozia candida realizada por ela em Teófilo Otoni (MG), que está digitalizada e disponível online no link do Jabot - http://jabot.jbrj.gov.br/v2/templaterb2.php?colbot=RB&codtestemunho=799351&arquivo=00799351.jpg

Coletas botânicas

Organizando as coletas no Herbário RB
 - Jardim Botânico do Rio de Janeiro

"Paisagem renovada"
"Destaques e detalhes"

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Metamorfose

Cinco Pontões Capixabas (ou Cinco Pontões Mineiros?)
Localizados no distrito de Joatuba, Município de Laranja da Terra, Espírito Santo.
Foto de Carlos A. Jarske com pequenas modificações ungulares.


Estou me transformando em inselberg.
O pé, quente como vulcão, borbulha seu magma em pequenas contrações e espasmos.

Afloram rochas magmáticas de granito e gnaisse.

O relevo de pé-dra é testemunho de intempéries de um calçamento de paralelepípedo em domínio carioca. Foi um acidente geográfico.

O pé inchado e de formato arredondado destaca-se na paisagem.
Sensível geomorfologia...

As pioneiras cianobactérias não tardam a colonizar a planta e os dedos da pé.dra. Fato evidenciado pela cor escura, que chega quase a ser preta, na superfície dermática branca. Em noites de luar, a fina camada de pele desse tecido bacteriano adquire aspecto prateado inebriante quando associada aos filetes de água! Vale a pena viajar com as cortinas abertas durante viagens de ônibus Minas - Bahia.

Selaginella sellowii começa a formar extensos tapetes próximos ao tornozelo, onde ocorreu a lesão. Essas samambaias parecem pequenos e delicados vasos sanguíneos da hidrografia, que se romperam com o traumatismo, extravasando sua seiva.

A dormência e ardor evidenciam a presença dos Cnidoscolus e das Aosa, que inclusive contribuem ainda mais para a petrificação e dureza da superfície, pelas reações causadas por suas substâncias urticantes.

É grande a inclinação do complexo Parque Estadual e Reserva Nacional Ambiental (PERNA). Ansiosamente, aguardo a chegada das bromeliáceas que ocupam esses paredões rochosos tão íngremes. Aaaa essas Vriesea 90 graus... Talvez já estejam na vertente S(ola) da pédra, sendo portanto inalcançáveis.

Nos cinco pontões, próximos ao topo, camadas mais lisas, rígidas e de formato ungular se fazem presentes. Curiosamente, os pontões estão orientados para o mesmo sentido. As plantas que ocupam esses picos apresentam adaptações singulares. São revestidas por proteínas fibrosas de quitina com finas camadas de cutículas nas bases da face adaxial. Característica que permite proteção contra fungos e bactérias num ambiente tão inóspito e susceptível a micoses.

O odor desagradável de chulé denuncia a presença da Plantaginaceae Achetaria crenata. Ela bem gosta de habitar as depressões rasas mais úmidas presentes graças ao suor de pédra aquecida com os processos vulcânicos e inflamatórios.

A altitude máxima é de 173 m (x10^-1*) e não há presença de campos graminosos nessa topografia. Meu afloramento, portanto, não pode ser caracterizado como campo de altitude. É um pão de açúcar típico! Lhe falta, porém, a fama dos pães de açúcar do Rio. Poucas foram as visitas que recebeu desde seu surgimento. Mas não é por falta de prestígio, talvez seja por desconhecimento. Compreendo que estamos em época de baixa temporada. Falta tempo aos amigos...

Semana passada, a pédra recebeu o grupo Tem Café?. Vieram conferir, com seus instrumentos (sax, baixolão, violão, ovinho e guitarra), a acústica agradável da ressonância sonora de todas as minhas flores. Afloraram tanta alegria, que, (acreditam?) quase virei a sorridente Pedra da Boca de Teófilo Otoni!

A planta (da pédra) apresenta cores azul e amarelo-esverdeadas em vários aglomerados. São cores das folhas dos Encholirium horridum e E.gracile. Em alguns pontos mais isolados reconheço flores roxas de indivíduos de Mandevilla grazielae, Sckwenckia novaveneciana, Tibouchina heteromalla, Pleroma marinana. Ilhas de vegetação de verde folhagem cobrem a PERNA. Folhagens de ervas rupícolas compostas por Barbacenia tomentosa, Alcantarea e, óbvio, pela canela de ema Vellozia plicata.

Os tricomas dos folículos pilosos evidenciam amontoados de cactos. Pelo nível de rigidez e maleabilidade dos espinhos, arrisco dizer que são os Coleocephalocereus buxbaumianus. Esses tricomas auxiliam na manutenção da temperatura e protegem o tecido contra radiação solar intensa.

Algumas protuberâncias arredondadas, similares a articulações de osso, são na verdade tubérculos de geófitas que ainda não emergiram à superfície. Provavelmente, são indivíduos graciosos de Sinningia esperando as chuvas sob esses murundus.

Em alguns pontos mais frágeis é possível observar fendas e linhas de fissura. A nimesulida acelera o intemperismo químico, provocando corrosões que descamam a rocha. Tais processos erosivos resultam em lascas de granito que ocasionalmente despencam dos penhascos.

A diafanização dissecativa confirmaria a unicidade de cada pédra. Mesmo distante por apenas 5 Km (x10^-5**), a hidrografia de vasos, tendões e escrubes musculares não são idênticos. O teste de similaridade com a pédra da direita revelou que cada formação tem flora exclusiva. O fluxo gênico inexiste. Cada afloramento é uma comunidade e ecossistema distintos.

A metamorfose em rocha monumental é desconfortável, porém deslumbrante. Quando vivenciaria as minúcias de meus hematomas e sentiria de forma tão intensa esse processo corporal geomorfológico estrutural? Quando voltaria minha atenção exclusivamente para mim, para os meus sedimentos e sentimentos? Confesso que não é uma das 7 maravilhas do mundo como o Corcovado. Sinto muita dor. Mas reconheço que essa dor participa do meu desenvolvimento criativo momentâneo. Foi em madrugadas sem dormir que escrevi este texto. Desejo enraizar meus dedos no solo, correr, me juntar às outras formações. Não é fácil transpor montanhas. A evolução exige paciência. É processo lento, uma sucessão de estados. São processos da Vida...

Me questiono se esses processos ocorrem mesmo por acaso. Não acho que sejam estocásticos. Estão atrelados à ecologia funcional?

Felizmente nenhuma intervenção antrópica será realizada. Pinos, cortes de blocos de granito e explosões não são medidas necessárias. A proprietária do local onde se encontra o afloramento preza pela conservação e preservação da Natureza e se opõe a práticas extrativistas e agressivas das mineradoras.

A transformação, segundo doutores em ortognaisse, será concluída daqui a 61,645 milhões de anos (x 2x10^-9 ***). Terminada essa etapa e a fisioterapia, voltarei aos tão almejados e saudosos campos!

Luísa Azevedo.

* 173 m x 10^-1 = 1,73 m, minha altura.
** 5 Km x 10^-5 = 5 cm,  distancia entre meus os pés.
***61,645 milhões de anos x 2 x 10^-9 = 45 dias, período que terei que ficar de pernas pro ar.

Obs. Toda espécie citada apresenta alguma característica análoga à minha situação ou sintoma. As plantas mencionadas realmente apresentam as cores dos meus hematomas. As folhas da Plantaginaceae Achetaria crenata têm odor desagradável e forte de chulé. Lu e Naroca são as únicas que acham o cheiro bom! Rsr. Cnidoscolus e Aosa possuem substâncias urticantes que provocam queimaduras e inflamações. Deixam a pele avermelhada, enrijecida, inchada. O termo ortognaisse não é a junção de ortopedista e gnaisse, é a rocha proveniente do granito. Nimesulida é o nome do medicamento.

Herbário Ambulante

Luisinha com o pé florido e ilustrações da Margaret Mee
No início de maio, estava no Jardim Botânico do Rio de Janeiro organizando nossas coletas de março e abril. Iria me encontrar com a Lu, que chegaria depois, e com a Lua para terminarmos a arrumação e seguirmos com mais expedições botânicas no norte do estado e no sul do Espírito Santo. Finalizaríamos também a amostragem nos afloramentos da cidade maravilhosa. Eis que no fim de semana, andando em uma rua íngreme e escorregadia de paralelepípedo, torço o pé e quebro o tornozelo. Um azar... Fui ao hospital, tirei raio-X e tive a perna engessada. Felizmente não precisei operar. No dia seguinte, retornei a Belo Horizonte. Pesarosa por perder os campos, colei no gesso várias plantas de coletas passadas, forma que encontrei de trazer os campos para pertinho de mim. Samambaias, sementes de Asteraceae, folhas, flores de Fabaceae, Lauraceae, Polygala, Encholirium, Calibrachoa, Bradea borrerioides (sp. nova!!), Melinis repens... Coletas do Rio, de Niterói, do Pico das Almas na Chapada Diamantina, de BH, do sul da Bahia, do Espírito Santo, do Parque Estadual do Rio Preto, de Teófilo Otoni... Um pé que de dolorido virou florido! Ficarei 45 dias de pernas pro ar. Em breve, Lu e Lua darão notícia das viagens!


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Sentimento Naturalista



Expedição em uma cadeia de inselbergs graníticos no Sul da Bahia - Brasil
Diante de tanta atrocidade ambiental/ecológica, desmatamento e destruição, ainda é possível encontrar no Brasil (sem ser na Amazônia) lugares inexplorados e esplendorosos.

Em abril deste ano, eu e os botânicos Lu, Luana e Stefan, fomos os primeiros, e únicos estudiosos de que se tem registro, pelo menos nos últimos 50 anos, a subir uma cadeia de inselbergs graníticos, em uma fazenda no Sul da Bahia.

É inacreditável pensar que em pleno século XXI, desperta-se tão espontaneamente o sentimento naturalista de explorador, da busca pelo desconhecido e por espécies novas, e o entusiasmo por diferentes cores, formas e cheiros ainda não vistos e não sentidos...

Ao começar a subir as pedras, o batimento cardíaco aumenta e a adrenalina jorra incessantemente. O esforço físico é intenso na pedra inclinada. As pupilas dilatam, aguçando a visão, que procura ver e enxergar cada tom de cor. Assim, o espectro de verde quadruplica e a perspectiva empurra profundamente todas as camadas de vida à retina. Tudo é visto com mais detalhes, para absorver a beleza da Natureza ainda intocada e virgem aos olhos (de um pesquisador). O cérebro aumenta a quantidade de sinapses, fazendo correlações e questionamentos, que a cada passo reafirmam esse sentimento pitoresco tão inato de exploradores aventureiros.  

Logo no início da expedição, o grupo se dispersou. Inconscientemente, cada um foi para um canto, com o intuito de visitar maior área, aproveitando ao máximo cada segundo da luz do dia. Hora ou outra, nos encontrávamos diante de chamados (e até de gritos) exclamativos e entusiásticos para o compartilhamento de descobertas.

Fiquei tão extasiada que comecei a andar por impulsos acelerados. Parecia que estava atraída por ímãs de cores e formas magnéticas. Tropeções e quedas eram comuns nesse estágio de desatenção, que inclusive poderiam ser fatais em terrenos tão íngremes. Os dedos sofriam apertados contra a biqueira da bota, que acompanhava a inclinação da rocha. Porém o deslumbramento compensava todo o incômodo.

Obsessivamente, num gesto quase automático, levamos flores, folhas, resinas e caules ao nariz como se quiséssemos absorver os cheiros daqueles campos - embriagantes de pedra, Sol, néctar, pólen, chuva, planta e bicho.

Saturados os receptores hormonais, neurônios dendríticos de sensações térmicas e nervosas são desativados. O rosto encontra-se vermelho quente, consequência da aba do chapéu virada para cima, para enxergar as arvoretas mais altas e o voo de aves e insetos endêmicos. A despolarização da membrana dos axônios nem chega ao centro do sistema nervoso. Em micro milésimos de segundos, arranhões, batidas, queimaduras com plantas urticantes (Cnidoscolus e Aosa), cortes, espinhos de cactos que ultrapassam até a derme são esquecidos por qualquer novo ser vivo que subitamente é observado. 

Nos reconhecíamos em indivíduos gigantes de Encholirium (parte do complexo E. horridum), que possuíam folhas em rosetas maiores que um abraço e inflorescência de mais de 3m de altura com ramificações longas e pendentes, como braços humanos. Adjetivos carinhosos acompanhavam os gêneros Vellozia cheirosa, V. mini, V. áspera, Tibouchina fina, Poaceae dominante, Paliavana pequena, Lamiaceae perfumada, Vriesea 90 graus.

O Sol mergulhava entre as silhuetas das pedras. Ali, o dia acabava 754 metros mais cedo. Começamos a descida. Coletávamos o que as mãos, já carregadas de sacos de coletas, ainda permitiam. E, assim, em 4 dias de expedição, eternizamos 27,13 Kg de plantas, histórias e muitas emoções.

Todas mudanças corporais vivenciadas ultrapassam meras explicações fisiológicas. A paixão pelo conhecimento, a vaidade pela descoberta, a sensibilidade, o encantamento pelas minúcias da Natureza, pelas texturas, cores, formas e cheiros, indubitavelmente, fundam minha formação como naturalista, como Luísa.

Confesso que essas sensações descritas me acompanham nos campos, por mais visitados e explorados que sejam os lugares. Sempre são novas comunidades, novos arranjos de espécies, novas composições, novos olhares e maturidades. O mesmo lugar nunca é igual. As cores, a interação com a luz, com o tempo, com outras vidas são únicas. A Vida é uma renovação constante. 

Recordo o comentário do proprietário dessa fazenda que visitamos na Bahia: - “Vocês são os primeiros pesquisadores a subirem essas pedras.” A partir daí, o sentimento naturalista e desbravador pioneiro foi tão intenso e tão destacado que me deu vontade de registrar e partilhar com vocês.

Luísa Azevedo