segunda-feira, 16 de maio de 2016

Sentimento Naturalista



Expedição em uma cadeia de inselbergs graníticos no Sul da Bahia - Brasil
Diante de tanta atrocidade ambiental/ecológica, desmatamento e destruição, ainda é possível encontrar no Brasil (sem ser na Amazônia) lugares inexplorados e esplendorosos.

Em abril deste ano, eu e os botânicos Lu, Luana e Stefan, fomos os primeiros, e únicos estudiosos de que se tem registro, pelo menos nos últimos 50 anos, a subir uma cadeia de inselbergs graníticos, em uma fazenda no Sul da Bahia.

É inacreditável pensar que em pleno século XXI, desperta-se tão espontaneamente o sentimento naturalista de explorador, da busca pelo desconhecido e por espécies novas, e o entusiasmo por diferentes cores, formas e cheiros ainda não vistos e não sentidos...

Ao começar a subir as pedras, o batimento cardíaco aumenta e a adrenalina jorra incessantemente. O esforço físico é intenso na pedra inclinada. As pupilas dilatam, aguçando a visão, que procura ver e enxergar cada tom de cor. Assim, o espectro de verde quadruplica e a perspectiva empurra profundamente todas as camadas de vida à retina. Tudo é visto com mais detalhes, para absorver a beleza da Natureza ainda intocada e virgem aos olhos (de um pesquisador). O cérebro aumenta a quantidade de sinapses, fazendo correlações e questionamentos, que a cada passo reafirmam esse sentimento pitoresco tão inato de exploradores aventureiros.  

Logo no início da expedição, o grupo se dispersou. Inconscientemente, cada um foi para um canto, com o intuito de visitar maior área, aproveitando ao máximo cada segundo da luz do dia. Hora ou outra, nos encontrávamos diante de chamados (e até de gritos) exclamativos e entusiásticos para o compartilhamento de descobertas.

Fiquei tão extasiada que comecei a andar por impulsos acelerados. Parecia que estava atraída por ímãs de cores e formas magnéticas. Tropeções e quedas eram comuns nesse estágio de desatenção, que inclusive poderiam ser fatais em terrenos tão íngremes. Os dedos sofriam apertados contra a biqueira da bota, que acompanhava a inclinação da rocha. Porém o deslumbramento compensava todo o incômodo.

Obsessivamente, num gesto quase automático, levamos flores, folhas, resinas e caules ao nariz como se quiséssemos absorver os cheiros daqueles campos - embriagantes de pedra, Sol, néctar, pólen, chuva, planta e bicho.

Saturados os receptores hormonais, neurônios dendríticos de sensações térmicas e nervosas são desativados. O rosto encontra-se vermelho quente, consequência da aba do chapéu virada para cima, para enxergar as arvoretas mais altas e o voo de aves e insetos endêmicos. A despolarização da membrana dos axônios nem chega ao centro do sistema nervoso. Em micro milésimos de segundos, arranhões, batidas, queimaduras com plantas urticantes (Cnidoscolus e Aosa), cortes, espinhos de cactos que ultrapassam até a derme são esquecidos por qualquer novo ser vivo que subitamente é observado. 

Nos reconhecíamos em indivíduos gigantes de Encholirium (parte do complexo E. horridum), que possuíam folhas em rosetas maiores que um abraço e inflorescência de mais de 3m de altura com ramificações longas e pendentes, como braços humanos. Adjetivos carinhosos acompanhavam os gêneros Vellozia cheirosa, V. mini, V. áspera, Tibouchina fina, Poaceae dominante, Paliavana pequena, Lamiaceae perfumada, Vriesea 90 graus.

O Sol mergulhava entre as silhuetas das pedras. Ali, o dia acabava 754 metros mais cedo. Começamos a descida. Coletávamos o que as mãos, já carregadas de sacos de coletas, ainda permitiam. E, assim, em 4 dias de expedição, eternizamos 27,13 Kg de plantas, histórias e muitas emoções.

Todas mudanças corporais vivenciadas ultrapassam meras explicações fisiológicas. A paixão pelo conhecimento, a vaidade pela descoberta, a sensibilidade, o encantamento pelas minúcias da Natureza, pelas texturas, cores, formas e cheiros, indubitavelmente, fundam minha formação como naturalista, como Luísa.

Confesso que essas sensações descritas me acompanham nos campos, por mais visitados e explorados que sejam os lugares. Sempre são novas comunidades, novos arranjos de espécies, novas composições, novos olhares e maturidades. O mesmo lugar nunca é igual. As cores, a interação com a luz, com o tempo, com outras vidas são únicas. A Vida é uma renovação constante. 

Recordo o comentário do proprietário dessa fazenda que visitamos na Bahia: - “Vocês são os primeiros pesquisadores a subirem essas pedras.” A partir daí, o sentimento naturalista e desbravador pioneiro foi tão intenso e tão destacado que me deu vontade de registrar e partilhar com vocês.

Luísa Azevedo

5 comentários:

  1. Um senhor campo! A sempre lugar para o mistério do desconhecido no mundo natural :)

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  2. Que legal acompanhar esta exploração num lugar tão lindo!

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    1. Que bom que conseguiu se sentir um pouquinho lá, Alain!
      Não vejo a hora de postarmos mais aventuras!!

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